Leléo, Uma Estrela que Nasce
Pedro Paulo Cava
Pedro Paulo Cava
Diz a lenda que quando morre um ator, no mesmo instante surge uma nova estrela no céu bem acima do lugar onde a morte veio roubar a vida. Isso acontece há milênios, desde Téspis, o primeiro ator de que se tem notícia, até os dias de hoje.
É que os deuses do teatro, comandados por Dioniso, fizeram um trato com Zeus para que as almas dos atores permanecessem vagando pelo infinito. E já são milhares de estrelas de formas e tamanhos variados que brilham sobre a cabeça dos mortais. Prateadas, brilhantes, radiantes, podem ser vistas a olho nu apenas pelas pessoas de rara sensibilidade. Formam elencos inteiros que, na madrugada, quando todos vão dormir, declamam em todas as línguas trechos dos melhores textos desde o indiano Shakuntala, do qual se lembram apenas de fragmentos, os trágicos gregos, a comédia latina, os dramas de Shakespeare, o teatro político de Brecht, as crueldades do absurdo até os mais modernos e atuais.
E lá em cima se fartam de rir com o talento dos comediantes ou silenciosos reverenciam as pausas, o clima e o desenrolar de cada drama.
Contam ainda que quando um ator em seu ofício esquece um texto em cena, são elas, as estrelas, que fazem soprar o vento da memória nos ouvidos do atônito intérprete que perdera o chão por uma fração de segundos.
A cada momento que aqui embaixo uma platéia se levanta e aplaude o espetáculo daquela noite, um outro aplauso ensurdecedor se ouve no firmamento, percorrendo constelações e reverenciando os atores que brilharam naquele dia em mais um ato de generosidade e doação completa.
Ontem uma dessas estrelas nasceu sobre o céu de Belo Horizonte. Foi no instante mesmo em que Leonardo Scarpelli, o nosso Leléo, se encantara assim de repente, sem sustos ou aflições. Morria um ator jovem, carismático, talentoso, humilde e essencialmente generoso. Pertencia ao seleto grupo dos artistas viscerais, aqueles que se jogam ao mar sem rede de proteção e mergulham intensos doando seu precioso material humano: voz, corpo e mente, para dar forma e vida a mais uma efêmera personagem a cada noite.
Leléo, como todos o chamavam, era um animal teatral.
Esses são raros e suas estrelas na terra ou no céu são maiores e mais brilhantes, porque especiais.
O teatro mineiro ontem ficou mais pobre, assustado e comovido.
No Teatro Marília, palco de tantas lutas, histórias e espetáculos, seu corpo chegou quase a meia-noite para uma última e fugaz aparição. Por ele esperava a gente de teatro de todas as gerações e de diferentes tribos; todos com a alma em frangalhos e os olhos marejados. Numa inversão da lógica do espetáculo, sua entrada no teatro foi aplaudida de pé e longamente.
Leléo, o Leonardo Scarpelli se foi assim, durante o sono, suave e meigo. Estava em paz. Olhei para o céu e não havia uma nuvem sequer. Sobre o recorte da Serra do Curral uma nova estrela de brilho intenso parecia íntima e cúmplice de todos nós.
Naquele instante eu tive a certeza de que a lenda havia se materializado sobre a Belo Horizonte que começava a adormecer.
Pedro Paulo Cava/ Fevereiro de 2011
Excepcionalmente, esta semana o Quadro Biblioteca será lançado três vezes. Na sexta haverá a doce escritora do Vale do Aço Taís, amanhã Rosângela e hoje em função ainda das homenagenso ao grande Leléo Scarpelli, esta bela crônica cedida por Pedro Paulo Cava ao Castelo do Poeta.
João Lenjob
Twitter: @lenjob
http://lenjob.blogspot.com
O TEXTO ACIMA FOI CEDIDO E AUTORIZADO POR PEDRO PAULO CAVA
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