segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Biblioteca: Thiago Quintella de Mattos

Castelo do Poeta entrevista Thiago Quintella de Mattos, escritor carioca.
DEZ perguntas, DEZ respostas, algumas fotos e muitas formas de escrever.
Por João Lenjob
twitter: @lenjob

UM
CP: Com que idade você começou a escrever??

TQ: Em 1985, aos sete anos, quando Irmã Luíza incentivou a turma da Primeira Série do Ensino Fundamental (antigo Primeiro Grau) a escrever, todas as sextas-feiras um caderninho de "estórias", baseado em figuras de mimeógrafo que ela colava no topo das páginas. Mas passei a escrever, sabendo que escrevia mesmo, quando comecei a fazer uma espécie de diário no dia primeiro de janeiro de 1996, inspirado nas crônicas da seção de "opinião" do JB (Jornal do Brasil). Aproveitei um caderno de não sei quantas páginas, com a Ana Paula Arósio na capa, quando ela ainda era apenas uma modelo e a foto da Liv Tyler na primeira página. Treinava ali alguns textos como se escrevesse para uma coluna de jornal.



DOIS

CP: Além do JB, havia outras fontes para escrever???

TQ: Havia, seguramente. A vida, os casos que contava ou que contavam para mim, além das memorias da infância; básico. Passei a achar interessante relatar aquilo que eu, amigos e familiares conversávamos, além das cenas e diálogos da sociedade. Está tudo ali, aqui, na sociedade e também em nossas reminiscências. As questões abordadas na faculdade de Direito, em Petrópolis, e nos cursos de extensão, ou seja, nos botecos, onde a verdade é verdadeira. Agora, escrever para as pessoas todas lerem, o que sempre está latente no escritor, começou com a elaboração de uma esquete, em 2000, e um conto "Filósofos x Compositores Clássicos", na qual esboço um diálogo de dois amigos montando uma partida de futebol entre os filósofos e compositores clássicos. Depois, felizmente, descobri que Monty Python havia feito uma partida semelhante, mas entre filósofos alemães e gregos. Em 2003, fui convidado a montar um blog, o Canis Familiares, onde pude jogar algumas coisas para as pessoas comentarem a fim de que eu percebesse se o que eu estava fazendo era algo bom.

















TRÊS

CP: A sua versatilidade escrevendo veio deste método de abrir as fontes? E de onde veio esta veia humorística?

TQ: João, agradeço o "versatilidade". Acho que sim, abrir e fuçar algumas fontes. E a coisa melhorava muito quando lia os grandes escritores e escritoras: "olha só, ele também observava as coisas assim!", exclamava para mim mesmo, acreditando que estava no caminho certo. Quanto ao humor, ninguém menos que Chico Anysio é o "culpado". Conheci o Chico Anysio escritor e literato recebendo pelas manhãs os contos que ele mandava para os amigos dele, por intermédio do ator André Mattos, primo de meu pai. Era o chamado "Armazém". Daí, descobri uma coletânea de contos do Chico na biblioteca do apartamento de Copacabana, da minha família. Era "O Enterro do Anão". Li o conto "Domingo em Madureira", "Camarada Brijinski" e muitos outros. Percebi ali que escreveria conto da maneira de Chico Anysio, fazendo do simples uma coisa fantástica, com muita poesia. Passei também por influências de Fernando Sabino, Rachel de Queiróz, Guy de Maupassant, Rubem Braga, Stanislaw Ponte Preta, Aluísio de Azevedo e o magnífico Lima Barreto. São esses que me motivaram a escolher meu estilo, ou melhor, a buscar um estilo.



QUATRO

CP: Você segue a linha de cronista ou de vez em quando vai pros contos ou pra poesia? Qual é a linha que mais define a sua literatura??

TQ: Quando é algo para se publicar diretamente em blogs, prefiro a crônica; ela vai ao leitor com mais graça, mais sedução. Os textos que escrevo, digito e guardo nos arquivos vão para umas coletâneas, já registradas mas aguardando momento para publicação. Entretanto, como o próprio Sabino definiu a indefinição de crônica e conto, tanto a primeira tem um pouco do segundo como o segundo tem algo da primeira. Um "croníconto" seria um bom novo nome para este estilo, sendo meu advogado para neologismos Guimarães Rosa. Quanto à poesia, acho que ela entra na prosa; e sou horrível com os versos senão para compor sambas-enredo.

















CINCO

CP: Quem você tem hábito ler Thiago?

TQ: A tendência é variar entre os autores consagrados, os que chamam de Clássicos da Literatura Universal, e alguma revelação. Li alguns, mas desisti de estabelecer metas, números para lê-los; sempre serão poucos os clássicos que leremos. Agora, como diria um ex-professor de minha mãe, do curso de Letras: o livro que passa a nos escolher. Nos últimos quatro ou cinco anos, porém, tenho lido muitos autores da iberoamérica. Achei "Todos os Fogos o Fogo", do argentino Julio Cortázar, li e me encantei com o conto "Auto-Estrada para o Sul". Depois comprei "Os Prêmios" e o devorei. Como queria tratar da América Latina ou a América do Sul no mestrado em Ciência Política, a leitura de autores de nosso continente, dos nossos vizinhos foi se
intensificando. Parti para Manuel Scorza, peruano, Gabriel García Marquez, os uruguaios Eduardo Galeano e Horacio Quiroga, o nicaraguense Miguel Ángel Asturias etc. O meu "campo" de estudo no mestrado foi o brilhante livro do boliviano Néstor Taboada Terán, "Manchay Puytu: El amor que quiso ocultar Dios". E atualmente leio "Eu, O Supremo", do paraguaio Augusto Roa Bastos, para apresentar um trabalho sobre autoritarismo, poder e psicanálise no próximo FOMERCO, fórum do Mercosul em Setembro, na UERJ. Mas volta e meia cai um ensaio científico na minha mesa de cabeceira ou um escritor que não havia lido ainda, como os sensacionais estadunidenses Charles Bukowski e Jack Kerouac; e a felicidade que podemos ter lendo os escritores lusófonos africanos, Mia Couto, de Moçambique, Manuel Lopes, de Cabo Verde e Maria Celestina Fernandes, de Angola.


SEIS
CP: Quais são as principais obras da Literatura na sua opinião?

TQ: Uma das perguntas mais difíceis de se responder, mas com esforço e bom trabalho da mente, talvez seja possível... Bom, vejo quatro obras fundamentais, para começar a entender o que a literatura nos mostra. "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis, diz vagamente, ou às vezes nem diz o que somos. Machado chega ao seu ombro e sussurra: "Tu podes ser isso, meu caro, ou já não o és?". Saímos de sua leitura rindo sarcasticamente de nós mesmos. "O Vermelho e o Negro", de Stendhal (pseudônimo do francês Henri-Marie Beyle), nos diz que podemos ser aquilo que desejamos, mas que há muitas barreiras físicas e sociais a se transpor. Em "Crime e Castigo", de Doistoiévski, o nosso velho "Dasta" (como gosto de falar) arranca o seu coração e em riste o aponta para a sua cara e diz: "Tu és isso, ó humano!". E "Dom Quixote", de Miguel de Cervantes, mostra que somos ao mesmo tempo o Dom Quixote e Sancho Pança, O Cavaleiro e o Escudeiro, ou seja, nós e nossas fantasias, tão importantes quanto a própria realidade. Créditos também a Rocinante e Ruço, os motores sensíveis desses dois magníficos personagens.






















SETE

CP: As letras, as canções, têm comprometimento no seu trabalho??

TQ: Bem, as letras, diretamente, me influenciaram a escrever "Depois que a Banda Passou", em que brinco com a letra de outro grande Chico, o Buarque. Meu pai é letrista e poeta, as letras de música sempre foram muito destacadas quando nós, a família, ouvíamos por finais de semana quase inteiros, os grandes da MPB. Meu pai lançará em breve um disco com suas letras e com a música de seu ex-colega de plantão no Hospital de Paracambi-RJ, e do Maestro Rodrigo D'Ávila. Os discos de boas músicas abarrotavam as casas por onde moramos. Faço parte da geração que teve a chance de ouvir A Arca de Noé e Casa de Brinquedo. Toda criança deveria ouvir estes discos, fica aqui uma dica às gravadoras. Já fiz um esboço de conto para Rapsódia Nº 2 de outro Francisco, o Liszt. Idealizo uma esquete intergalática para "A Saucerful of Secrets", do Pink Floyd; e meu primeiro conto em língua estrangeira, quer dizer, bilíngue, foi um conto cortaziano baseado em "Buenos Aires Hora Cero", de Astor Piazzolla: os pensamentos e tumultos de um brasileiro vagando pela meia-noite bonairense seguem os contornos da música.



OITO

CP: Você é bastante ligado à cultura e gosta muito de esportes. O que você acha que deveria ser melhorado na cultura e no esporte brasileiros, e qual o caminho mais fácil??

TQ: Se um país quiser ser importante na comunidade internacional, além, obviamente, gostar de seu povo, deve inverstir muito em políticas culturais na qual o esporte é parte relevante. Melhorar a divulgação da cultura incessantemente, preconizar o saber, o ensino, a curiosidade, o desenvolvimento tecnológico. Fazer com que seja "legal", gratificante, enaltecedor ser brasileiro e ser de uma nação, talvez a única no mundo, onde há incontáveis manifestações artísticas exclusivas, originais ou mescladas. Pernambuco, se me lembro bem, só Pernambuco possui sete ritmos musicais e danças resgistrados no Ministério da Cultura (mas deveríamos verificar essa informação). Quanto aos esportes, são flagrantes as dificuldades da maioria dos atletas amadores e até alguns profissionais para se manterem; com as características de nosso povo e um investimento sério, desde às escolas, nas comunidades, competiremos de igual para igual com as potências olímpicas. O Brasil é pluricultural e multimiscigenado. A cultura e o esporte são alguns dos principais meios para se quebrar todos os estereótipos vendidos pela ideologia europeia e estadunidense, desconstruir todo o ideal de perfeição do colonizador, há séculos tido como padrão incrustado em nossa mente. Nessecitamos nos ver com nossos próprios olhos.


















NOVE

CP: Existe este caminho fácil??

TQ: Eu ainda creio que oferecer cultura, primar pelo esporte e sua função social impostantíssima é o caminho para criar não contestadores de uma "ordem" inventada por determinada classe que se diz especial, mas, sim uma tendência a criar um povo mais tolerante, mais conhecedor de si mesmo um povo mais leitor, mais artista, mais atleta. É difícil o caminho, mas ele tem que ser percorrido.



DEZ

CP: E o Thiago pra frente? Quais os planos? Quando leremos um livro seu?

TQ: Depois de solucionadas algumas prioridades na minha vida profissional, pretendo compilar de vinte a trinta textos, entre crônicas e contos, registrar e publicar, pelo menos até 2012. A arte vai nos salvar!


Mais sobre o trabalho do escritor, o Visconde Thiago Quintella de Mattos, pode ser encontrado em seu blog atual http://www.olhaosemblante.blogspot.com e, ainda, no antigo http://canisfamiliares.blogger.com.br, onde se encontram textos dele desde 2003.


ENTREVISTA AUTORIZADA.
MATERIAL CEDIDO E AUTORIZADO POR THIAGO QUINTELLA DE MATTOS.

9 comentários:

  1. Parabéns pela entrevista com o nobre Quintella! Taí um cara que admiro desde os tempos do "Canis" e, vai saber, até antes disso, porque escritores com esta veia humorística inteligente e excelentes referências literárias estão entre meus favoritos.

    E espero que este livro chegue mesmo em 2012, antes mesmo dos plutonianos!

    Abraços ao nobre Quintella e ao João! E parabéns!

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  2. Eu também conheço o Quintella de longas datas e de mais intimidade. Já dividimos muitos anseios literarios e discutimos canções sob efeitos etílicos e samba no ouvido ou esporte na ponta da lingua. Foi muito difícil fazer este trabalho sem usar nada do pessoal e acho que conseguimos. Desde o inicio do Castelo eu almejava entrevistar o que um dia será para todos e não só para mim um dos maiores escritores de todos os tempos de nossa cultura e afirmo: um dos caras mais inteligentes que eu conheço eu já posso afirmar. Tê-lo como grande amigo e praticamente um primo, já que está com minha prima, a Duquesa Ana Letícia há anos, é um orgulho imenso. Sobretudo é curioso afirmar que fui apresentado a ele pela leitura satisfatoria de minha mãe, depois a Ana, o Cláudio e eu. Hoje enfim: o Castelo.
    Abraço a ele que tem o mérito do talento e sei que este espaço é ainda muito pouco pra tamanho dom e pelo conjunto do seu conhecimento.

    Duque João Lenjob
    twitter: @lenjob

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  3. Bela entrevista !
    O Castelo está cada vez melhor, João.
    Beijo.

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  4. Uma bela entevistas e um belo blog!
    Convido a todos a conhecerem o meu blog: http://visaodeumburrachosolitario.blogspot.com/
    Abrax. Inté.

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  5. Admiração? É pouco. Vocẽ Thiago Quintella, é estupendo!!!

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  6. Grande Thiagão,

    O vascaíno mais sangue bão que eu conheço (isso vindo de um rubro-negro como eu, deve ser um baita elogio...rs...).

    Grande figura, ligadaço nas arapucas que os defensores do grande capital colocam no nosso caminho.

    Vida longa ao Quintella e muitos clássicos dos milhões para nós dois (sem bem que pela qualidade, tá mais pra clássicos dos mil-réis).

    Abraço.

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  7. São de pessoas com diferencial e inteligência como o Thiago que o universo artístico precisa, enriquece e muito nossa literatura...

    B-Jos. e sucesso...

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  8. Quase nada de novo nessa entrevista do Thiago. Eu jà sabia que ele é foda, mas vale pra outros verem isso tb! Heheehe!
    Obrigada pela entrevista, caro blog Castelo!

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  9. Thiago,
    Tenho um esboço de poema que quero dedicar ao Chico Anysio, que versa inicialmente assim:

    "Tu, na criação dos teus personagens, riso
    E grito,
    Te tornas irmão do Pessoa,
    Na criação dos heterônimos dele, grito
    E riso."

    E pela aí adiante, amigo.

    *

    João,
    Parabéns pela entrevista e pelo espaço. Passo de penetra a frequentador, se me permites.

    Abraço mineiro,
    Pedro Ramúcio.

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