quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Nos Aposentos da Maluf: Rosângela Maluf

Os Olhos Claros de João
Rosângela Maluf

Nem sei mesmo porque me lembrei do João !

Não falei nele, não vi nada que me fizesse recordá-lo; faz tempo que não sonho com ele; não remexi em minha caixa de cartas e muito menos revi suas fotos, escondidas e bem guardadas, já bastante amareladas pelo tempo.

Estou sozinha em casa, dou uma espiada nos jornais, tento ler um pouco antes de dormir. Preparo um chá de camomila – me sinto relaxar um pouco a cada gole. Troco o CD. Imagino que Vivaldi possa me trazer para dentro de mim. O som dos violinos me enche de uma ternura inexplicável e aí meu coração me diz que posso salvar-me da loucura que nos acomete a todos, sem exceção, neste mundo de hoje. Ainda há salvação nas canções, nos poemas, nos poucos corações cheios de amor, nos raros namoros ao luar, nas transas selvagens, beijos calientes, mordidas, arranhões, gritos e sussurros, de couper le souffle! Há de haver...

Se João ainda andasse por aqui talvez a vida não me estivesse sendo assim tão dura. Teríamos do que rir, sobre o que falar. Ele com aquele seu jeitão italiano, sua voz de tenor, aquelas mãos enormes, grosseiras e ao mesmo tempo tão ternas. Me fazia tão bem o seu colo. Me fazia feliz ouvir seu respirar ruidoso, por vezes cheio de tosse. Era um pigarro persistente que resistia aos anos mesmo depois de parar com o cigarro. Ah, João se você estivesse aqui para me fazer companhia, assistiríamos juntos aos jornais na TV, jogaríamos cartas após o jantar, falaríamos da vida alheia, você me contaria pela milésima vez sua infância na Itália, cantaria para mim com sua voz de tenor...Sinto muito a sua falta, João. Falta de mergulhar em seus olhos claros, de me deitar quietinha em seu peito, ouvir bater o seu coração. Sinto falta do seu cheiro, cheiro de homem limpo. Eu te amei tanto, João e agora...

João era assim, diferente. De uma simplicidade que encantava. Nada em João me incomodava. Não mudaria nada nele, nem um defeito sequer. Às vezes eu me punha a pensar se era ele deste mundo, ou talvez quem sabe, do outro...daquele que nem mesmo sabemos se existe ou não. Tinha pensamentos estranhos, tão diferentes dos meus.

João adorava a primavera: durante esses meses os ipês amarelos eram puros raios de sol, muitas vezes enchendo o pátio interno do casarão com um imenso tapete dourado. Mais de uma florada, algumas vezes duas,três...não sabíamos explicar por quê. Eram suas flores preferidas e João se divertia deitado na rede, esperando que seu rosto se cobrisse das flores que caiam das árvores. Eu ficava pensando em beija-flores, em João semente, em João ponto de interrogação.

E assim, sem mais nem menos volto no tempo e meu coração vai se enchendo de um calor gostoso, desses que invadem o peito trazendo mansidão e paz...

Continua...

A querida prima, doce e talentosa Rosângela Maluf não para de arrebentar. Estes olhos claros não são meus, pois os meus são castanhos e bem escuros, mas qualquer um que lê a nossa colaboradora consegue alimentar de tudo pra fazer da literatura mais completa, mais rica e também evidente. Ter esta nobre pessoa por aqui é um orgulho pro Castelo. Mais sobre ela em seu blog http://romaluf.blogspot.com.

João Lenjob
twitter: @lenjob
http://lenjob.blogspot.com

TEXTO ACIMA CEDIDO E AUTORIZADO POR ROSÂNGELA MALUF

4 comentários:

  1. ah, querido joão!
    obrigada pelo carinho de sempre...adorei ver os olhos azuis "de um outro joão", aqui no castelo.
    beijo enorme

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  2. Rô Maluf é show! Adoro seus contos!
    HELGA SILVA ESPIGÃO

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  3. Lido e repassado aos amigos!!!
    conceição figueiredo

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  4. Vc é divina!!!! Amei o conto, quero mesmo é ver a continuação.... Estava aqui admirando a sua sutileza pra falar das coisas que a gente tbm sente com tanta maestria e iintensidade.... aiai... tô meio nostalgica hj, esse conto caiu como uma luva!! rsrs, bjos querida!!"
    CAMILA VICENCIO - LONDRINA - PR

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