sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Biblioteca: Juliana Borges

Dias de Carnaval
Juliana Borges

Acordou com a alma inquieta naquela manhã...finalmente iria arrumar a mala e correr para o aeroporto. Não conseguia se conter...logo que saiu da cama começou a cantarolar Jorge Ben Jor, notas que diziam que “em fevereiro, tem carnaval...tenho um fusca e um violão...” O carnaval já se aproximava...e ela poderia, enfim, terminar o que começara no ano passado, embalada pelos foliões da cidade.

O fusca de Ben Jor estava ali, em seu quarto, emoldurado na antiga fotografia que trazia as lembranças dos passeios com o avô, no carro que ela fingia, quando menina, ser seu pra sempre...

O violão, ela emprestara pro primo, desde o ano passado. Estava lá, no meio daquela cidade pra onde iria, em poucas horas, rever quem guardava pedaços do seu coração entre os que se espalharam em meio aos blocos do carnaval que a encantara. As amigas não conseguiam acreditar como ela escolhera Belo Horizonte pra estar naquela data. Imaginavam uma cidade sem graça, sem cor, sem gente, nos quatro dias que antecediam a quarta de cinzas, e ninguém acreditava quando ela contava da revolução carnavalesca que o primo e alguns amigos iniciaram há dois anos, e que se firmaria como certa dessa vez.

Sentia-se muito mais que feliz, conseguiria chegar uma semana antes pra já no sábado se misturar aos súditos do Mamá. Precisava tomar coragem pra rever o primo, depois que lhe roubara o beijo no Brasil 41, na terça de carnaval, já que tudo ia mesmo acabar na quarta e ela voltaria pra casa. Era uma paixão antiga, crescera adorando sua companhia em tempos de férias na cidade, mas ouvia tanto que do primo só seria possível a amizade que fingia sempre, ao estar com ele, que tudo era passado entre os dois. O primo não dizia nada, mas seu olhar a deixava tão perto dele que achava impossível não haver desejo e amor entre eles. Naquele dia não se conteve e roubou-lhe o beijo. E por quase morrer de vergonha depois, decidiu não mais lhe roubar nada, só com sua permissão. Mas como toda decisão de amor cede a razão pra saudade, só pensava em entrar no avião e desembarcar direto pra dentro do seu abraço, e pelos e-mails que vinham trocando, dava como certa a sua rendição.

Depois de terminada a mala, buscou a agenda dos blocos pra rever o percurso que faria nos dias que se aproximavam. Alguns ela ainda não conhecia, mas dava como certa sua presença no Mamá na Vaca, na tarde pré-carnavalesca de sábado, dia 26, já no domingo, 27, estaria no bloco da Tetê, a Santa das ruas de Tereza. No dia 05 iria conhecer o bloco da tal “Praia da Estação”, de onde o primo não saía mais e o Bloco da Alcova no domingo, dia 06. Na segunda iria novamente passear nas ruas de Santa Tereza, atrás dos “Filhos de Chacha”, e na terça seguiria o Bloco do Peixoto até o Brasil 41, e de lá só sairia nos braços do primo... isso ela havia jurado a si mesma, após revogar a decisão de 2010 de se manter quieta diante dele. Doze meses pensando e repensando nas consequencias do seu ato pra concluir, finalmente, que do amor e do desejo não vale a pena fugir.

Entrou no avião sentindo um bloco inteiro tocar as batidas que depois percebeu serem do seu coração. Imaginou que o primo estaria a caminho do aeroporto. Antes que fosse preciso desligar o celular, tomou coragem e lhe enviou a mensagem guardada desde o ano passado: “quero escrever nosso amor nas ruas dessa cidade, por onde o carnaval passar”. Pronto, estava feito! E assim iniciou a viagem, certa de que Belo Horizonte era mesmo o melhor lugar pra se estar em dias de carnaval.

(da Série: “O amor de cada um”, n.8)

Juliana Borges é Viscondessa e Escrirtora mineira, residente na capital e pelo Castelo apresentou sua crônica falando do carnaval local. Muito interessante, equivalente a sua intelectualidade e criatividade. Ela já merecia há tempos um espaço por aqui. Sempre foi frequente e satisfeita com nosso trabalho. Seu blog é o http://primaletra.blogspot.com.

João Lenjob
twitter: @lenjob
http://lenjob.blogspot.com

TEXTO ACIMA CEDIDO E AUTORIZADO POR JULIANA BORGES

4 comentários:

  1. João, obrigada pelo espaço e pela delicadeza das palavras na apresentação do meu trabalho. Na verdade estou começando a espalhar minhas letras pelos caminhos onde passo e poder contar com o espaço do Castelo faz com que o desejo de escrever se torne maior.
    Grande abraço, Juliana.

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  2. Lindo texto! Parabéns Juliana!!Bj, Rita Cândido.

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  3. Boa tarde, João
    Simplesmente fantástica esta crônica da Juliana.
    Gostei muito.
    Bjo

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  4. Obrigada, Rita e Maria Célia.
    Grande abraço pra vocês.

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