segunda-feira, 9 de julho de 2012

Biblioteca: Daniele Lippert


Desatando Nós
Daniele Lippert

"Eu nunca foi tão boa assim em desatar nós", disse-lhe a avó, enquanto tomava de suas pequenas mãos o emaranhado de colares coloridos. "Mas a senhora não parece ter dificuldade...", retrucou a menina, que brincava com a barra de renda de seu vestido cor de rosa e observava com atenção as mãos enrugadas e trêmulas de sua velha avó, que, com experiência e num movimento quase automático, tentava desenrolar aquela mistura de cores e formas.


- Um dia, minha filha, você aprenderá que os nós mais difíceis de se desatar são aqueles formados na garganta, no momento em que o coração chora e você deve segurar as lágrimas para que elas não transbordem e escorram pelos olhos. Os nós criam raízes na garganta, te impedem de falar, de se mexer, de engolir, de piscar. Qualquer movimento impulsivo pode acabar exteriorizando aquilo que você não quer que ninguém veja: a dor. Nesse momento, deve-se, com cuidado, sorrir. Os sorrisos na hora da dor são como os nossos dedos no desenrolar destes cordões. Observe bem, meu amor. Cada dedo meu é um doce sorriso... Veja como os sorrisos têm a capacidade de desfazer, calmamente, cada um desses terríveis emboladinhos.

A avó chegou mais perto da neta com os cordões, passando os dedos por entre as diferentes pedrinhas que se encontravam e acabando aos poucos com a confusão. Os olhos da pequena menina não se mexiam. Ela apenas observava e deixava a senhora concentrada de óculos enormes terminar seu trabalho.

- Parece difícil, não é? Realmente é. É necessário criar sabedoria e maturidade suficientes para treinar seus melhores sorrisos por horas, dias e até meses ou anos. Não estou lhe dizendo que um dia a dor amenizará. Mas, filha, uma vez que a vida lhe trava a garganta algumas vezes, você acaba desenvolvendo a habilidade de lidar melhor com os seus problemas e, voilà, tudo fica mais claro para que se possa solucioná-los.

O emaranhado transformou-se em algo identificável. Um por um, os cinco colares finalmente se soltaram e e a senhora os entregou à pequena netinha. "Obrigada, vovó", disse a menina, que saiu apressada para o quintal. Obviamente aquelas palavras não significaram muito para ela naquele momento, mas elas ficaram guardadas em algum lugar de sua memória. Tudo tem seu tempo.

E a nossa colega artista do Rio de Janeiro, que já foi entrevistada aqui cedeu com exclusividade esta bela crônica e nós esperamos muito mais dela aqui no Castelo.

Castelo do Poeta
twitter: @castelodopoeta

TEXTO CEDIDO E AUTORIZADO POR DANIELE LIPPERT

Um comentário:

  1. Que lindo! Ler um texto tão emocionante assim é como receber um presente. Obrigada, minha filha!

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